domingo, 27 de janeiro de 2008


Estão todos gritando rock and roll, mas eu diria que isto já está ficando batido; pertencente ao museu onde sua pútrida alma foi vendida.

O Refused foi uma banda que não teve medo de se apresentar. Eles saltavam de um lado para o outro do palco encenando todos os passos e poses das grandes bandas de rock, guitarras voando e pedestais de microfone dançando. Eles abraçaram seus papéis como estrelas - pelo menos enquanto tocavam. Eles faziam o possível para serem melhores que os roqueiros tradicionais usando seus próprios truques e fórmulas.

E é assim que deveria ser; eles são, afinal, uma banda de hardcore... ou seja, hardcore punk, ou seja, punk rock, ou seja, rock and roll. E o hardcore não é tão diferente assim do rock and roll, independente do que gostamos de acreditar. O hardcore ainda é sujeito às mesmas limitações que o rock and roll apresenta desde que foi retirado do underground negro e transformado em música comercial para o mercado branco adolescente. Ainda os mesmos velhos clichês: a platéia passivamente observando (ou na melhor das hipóteses, dançando), quatro caras com guitarras e bateria, a banda insistindo em procurar por algum acordo que ainda não foi muito usado, a platéia tentando sair de suas fatalmente entediantes realidades ao idolatrar o vocalista, que por sua vez inevitavelmente perpetua toda a farsa com algum "carisma" e egotismo reciclado. Ainda as mesmas relações econômicas, as bandas sendo meios para os capitalistas (corporativos ou privados) lucrarem à custa de todas as outras pessoas - na maioria das vezes a banda em si, que sente que deve ser paga somento pelo status em si. Sempre que uma banda de hardcore sobe no palco para tocar, para desafiar as pessoas e oferecer algo de novo, ela bate de frente com toda a história do rock and roll desde que foi castrado e comodificado. Não é de se admirar que tão poucas delas consigam abrir um caminho realmente novo e crucial, com todo o peso de anos de tradição, o peso morto de nosso passado.

O Refused admitiu tudo isso. Eles não tentaram escapar disso com algum desvio para disfarçar o já esgotado formato; eles aceitaram toda a rotina e a elevaram ao máximo. Alguns disseram que o Refused usou a fórmula do rock and roll para nos chocar, para evadir nossas expectativas; isto é verdade, mas eles fizeram isto nos mostrando o que já sabíamos (mas recusávamos admitir). E eles fizeram isto pelos seguintes motivos: primeiro, para serem sinceros com a embaraçosa herança do punk rock, para traçar toda esta constritiva história e assim poderem confrontá-la, subertê-la, ultrapassá-la. Até que alguém fizesse isto, ela estaria fadada a ser eternamente um fantasma nos assombrando, nos acorrentando.

As performances de rock and roll do Refused estabeleceram um conflito direto entre o passado e o presente em vários níveis. Todas as noites em que eles tentavam colocar tudo para fora, eles eram confrontados por anos de repetição, de drama se transformando em melodrama, de paixão se transformando em farsa; usando os velhos e decrépitos passos de dança, poderiam eles tocar forte o suficiente, com paixão suficiente, com desespero suficiente para escaparem da força gravitacional do passado e fazerem o rock and roll parecer novo mais uma vez por um único momento sequer? Não poderia haver um desafio mais que este, e os melhores shows do Refused mostravam que eles haviam conseguido.

E ao conseguirem, ele alcançaram um ato sagrado de liberação pelas cansadas e decrépitas fórmulas aplicadas. Porque tudo que é um clichê no rock hoje já foi mágico, temido, perigosamente profundo: da primeira vez que um guitarrista saltou ao ar, pode apostar que cada homem e mulher que o viram sentiram o mundo morrer e renascer de novo naquele momento. Lutar através das cicatrizes deixadas por Van Halen e imitadores ainda piores, roubar de volta e fazer com que os passos de dança de James Brown, os truques de guitarra de Little Richard, os poderosos passes de mágica vendidos como comodidades impotentes sejam excitantes novamente, resgatá-los em nome da luta por liberação e paixão da qual o rock and roll sempre foi parte (mesmo que com pouca consciência disto) em seus melhores momentos - fazer os mortos voltarem à vida, literalmente - quer tarefa mais romântica, mais quixoteana, mais bela do que esta?

Outro motivo pelo qual o Refused usava todas as performances do rock and roll foi para trazer à tona a tensão que existe em QUALQUER performance entre "sentimentos verdadeiros" e manipulação. Eles tocavam samplers manipulativos entre suas músicas para foder um pouco com as emoções do espectador, e faziam o mesmo ao utilizar performances que já estávamos previamente programados para responder de uma certa maneira. Vendo o Refused tocar, me senti simultaneamente respondendo à emoções reais e à ironia dos clichês utilizados; e, acima de tudo, eu conseguia até gostar dos clichês. Aquela tensão que existe entre o real e o falso está presente em toda a música de rock, e o Refused trouxe à tona esta dicotomia, brincou um pouco com ela, e ainda subverteu nossas idéias e expectativas ao apagar a linha entre as chamadas "reais" e "falsas" emoções, nos forçando a sair de nossos paradigmas e entrar em um mundo novo onde as velhas distinções são simplesmente inúteis.

Finalmente, o Refused nos forçou a registrar o quociente do entretenimento musical para assim poderem lidar com o problema de serem artistas procurando motivas as pessoas. Performance artística é um esporte de espectadores; sob condições normais, é incapaz de mover as pessoas, não fazendo nada mais do que reforçar sua passividade. O Refused deliberadamente se colocou em um pedestal para que percebamos que NÓS é que estamos observando, que o ambiente de um show de rock NÃO é uma democracia, que o rock and roll NÃO se importa com a liberação do espectador e sim com sua escravidão, para manter contas de banco e egos alimentados e hierarquias exatamente no mesmo lugar. Mas ao mesmo tempo, eles tentaram tocar com tanta paixão que acabaram transcendendo tudo isto. A única maneira de se chegar à motivação e ação através de uma performance artística é mexendo tanto com as pessoas que, apenas ao observar, elas consegue se RE-avaliar. E foi isto que o Refused fez para mim - em toda a minha vida eu nunca estive tão ativamente envolvido em observar alguma coisa. Do mesmo modo que eles se mexiam no palco, eu estava me movendo por dentro duas vezes mais, mudando, crescendo, questionando.

Um comentário:

hsq5 disse...

muito bom o blog. vou divulgar o manifesto final do refused e vou dar os créditos da tradução ao blog. procurava a um tempão já! abraço.