sábado, 3 de maio de 2008


3. O Apartheid do Neo-Estado Social

As facções antineoliberais do campo de trabalho social podem não gostar muito desta perspectiva, mas exatamente para elas está definitivamente confirmado que um ser humano sem trabalho não é um ser humano. Fixados nostalgicamente no período pós-guerra fordista de trabalho em massa, eles não pensam em outra coisa a não ser em revitalizar os tempos passados da sociedade do trabalho. O Estado deveria endireitar o que o mercado não consegue mais. A aparente normalidade da sociedade do trabalho deve ser simulada através de «programas de ocupação», trabalhos comunitários obrigatórios para pessoas que recebem auxílio social, subvenções de localizações, endividamento estatal e outras medidas públicas. Este estatismo de trabalho, agora requentado e hesitante, não tem a menor chance, mas continua como o ponto de referência ideológico para amplas camadas populacionais ameaçadas pela queda. Exatamente nesta total ausência de esperança, a práxis que resulta disso é tudo menos emancipatória.

A metamorfose ideológica do «trabalho escasso» em primeiro direito da cidadania exclui necessariamente todos os não-cidadãos. A lógica de seleção social não está sendo posta em questão, mas só redefinida de uma outra maneira: a luta pela sobrevivência individual deve ser amenizada por critérios étnico-nacionalistas. «Roda-Viva do trabalho nacional só para nativos» clama a alma popular que, no seu amor perverso pelo trabalho, encontra mais uma vez a comunidade nacional. O populismo de direita não esconde essa conclusão necessária. Na sociedade de concorrência, sua crítica leva apenas à limpeza étnica das áreas que encolhem em termos de riqueza capitalista.

Em oposição a isso, o nacionalismo moderado de cunho social-democrata ou verde quer aceitar os antigos trabalhadores imigrantes como se fossem do país, e, quando estes se comportam bem, de maneira reverente e inofensiva, fazê-los cidadãos. Mas a acentuada e reforçada rejeição de refugiados do Leste e do Sul pode, assim, ser legitimada de uma forma mais populista e silenciosa – o que fica, obviamente, sempre escondido por trás de um palavrório de humanidade e civilidade. A caça aos «ilegais», que pleiteiam postos de trabalho nacionais, não deve deixar, se possível, nenhuma mancha indigna de sangue e fogo em solo europeu. Para isso existe a polícia, a fiscalização militar de fronteira e os países tampões da «Schengenlândia», que resolvem tudo conforme o direito e a lei e, de preferência, longe das câmeras de televisão.

A simulação estatal de trabalho é, por princípio, violenta e repressiva. Ela significa a manutenção da vontade de domínio incondicional do deus-trabalho, com todos os meios disponíveis, mesmo após sua morte. Este fanatismo burocrático de trabalho não deixa em paz nem os que caíram fora – os sem-trabalho e sem-chances – nem todos aqueles que com boas razões rejeitam o trabalho, nos seus já horrivelmente apertados nichos do demolido Estado Social. Eles são arrastados para os holofotes do interrogatório estatal por assistentes sociais e agenciadoras do trabalho e são obrigados a prestar uma reverência pública perante o trono do cadáver-rei.

Se na justiça normalmente vigora o princípio «em dúvida, a favor do réu», agora isso se inverteu. Se os que caíram fora futuramente não quiserem viver de ar ou de caridade cristã, precisam aceitar qualquer trabalho sujo ou de escravo e qualquer programa de «ocupação», mesmo o mais absurdo, para demonstrar a sua disposição incondicional para com o trabalho. Se aquilo que eles devem fazer tem ou não algum sentido, ou é o maior absurdo, de modo algum interessa. O que importa é que eles fiquem em movimento permanente para que nunca esqueçam a que lei obedece sua existência.

Outrora, os homens trabalhavam para ganhar dinheiro. Hoje, o Estado não poupa gastos e custos para que centenas de milhares de pessoas simulem trabalhos em estranhas «oficinas de treinamento» ou «empresas de ocupação», para que fiquem em forma para «postos de trabalho regulares» que nunca ocuparão. Inventam-se cada vez mais novas e mais estúpidas «medidas» só para manter a aparência da roda-viva do trabalho social que gira em falso funcionando ad infinitum. Quanto menos sentido tem a coerção do trabalho, mais brutalmente inculca-se nos cérebros humanos que não haverá mais nenhum pãozinho de graça.

Neste sentido, o «New Labour» e todos os seus imitadores demonstram-se, em todo o mundo, inteiramente compatíveis com o modelo neoliberal de seleção social. Pela simulação de «ocupação» e pelo fingimento de um futuro positivo da sociedade do trabalho, cria-se a legitimação moral para tratar de uma maneira mais dura os desempregados e os que recusam trabalho. Ao mesmo tempo, a coerção estatal de trabalho, as subvenções salariais e os trabalhos assim chamados «cívicos e honoríficos» reduzem cada vez mais os custos de trabalho. Desta maneira, incentiva-se maciçamente o setor canceroso de salários baixos e trabalhos miseráveis.

A assim chamada política ativa do trabalho, segundo o modelo do «New Labour», não poupa nem mesmo doentes crônicos e mães solteiras com crianças pequenas. Quem recebe auxílio estatal só se livra do estrangulamento institucional quando pendura a plaquinha prateada no dedão do pé. O único sentido desta impertinência está em evitar-se o máximo possível que pessoas façam qualquer solicitação ao Estado e, ao mesmo tempo, demonstrar aos que caíram fora que, diante de tais instrumentos terríveis de tortura, qualquer trabalho miserável parece agradável.

Oficialmente, o Estado paternalista só chicoteia por amor, com intenção de educar severamente os seus filhos que foram denunciados como «preguiçosos», em nome de seu próprio progresso. Na realidade, essas medidas «pedagógicas» só têm como objetivo afastar os fregueses de sua porta. Qual seria o sentido de obrigar os desempregados a trabalharem na colheita de aspargos? O sentido é afastar os trabalhadores sazonais poloneses, que só aceitam os salários de fome dadas as relações cambiais, que os transformam em um pagamento aceitável. Mas, aos trabalhadores forçados essa medida é inútil e tampouco abre qualquer «perspectiva» profissional. E mesmo para os produtores de aspargos, os acadêmicos mal-humorados e os trabalhadores qualificados que lhes são enviados só significam um estorvo. Mas, se após a jornada de doze horas nos campos alemães, de repente aparecer sob uma luz mais agradável a idéia maluca de ter, por desespero, um carrinho de cachorro-quente, então a «ajuda para a flexibilização» demonstrou seu efeito neobritânico desejável.

«Qualquer emprego é melhor do que nenhum.» (Bill Clinton. 1998)

«Nenhum emprego é tão duro como nenhum.» (Lema de uma exposição de cartazes da Divisão de Coordenação Federal da iniciativa dos Desempregados da Alemanha. 1998)

«Trabalho civil deve ser gratificado e não remunerado... mas quem atua no trabalho civil também perde a mácula do desemprego da recepção de auxilio social.» (Ulrich Beck - A alma da democracia. 1997)